Para o Idec, a decisão da Caixa Econômica Federal de lançar uma plataforma de apostas online deveria causar mais do que estranhamento, deveria causar repúdio. A instituição, que há mais de 160 anos simboliza a presença social do Estado brasileiro, agora se coloca no mesmo mercado de empresas que lucram com o vício, a ilusão e o endividamento. É uma contradição profunda: um banco público de fomento social convertendo-se em operador digital de jogos de azar.
A Caixa não é um banco qualquer. Ela é a guardiã do FGTS, a gestora do Bolsa Família, o agente financeiro da habitação popular e do Seguro-Desemprego, entre outros programas. Sua missão institucional é promover inclusão, cidadania e desenvolvimento.
Ingressar em um setor tão mal regulado, socialmente danoso e pouco fiscalizado quanto o das apostas online é negar essa missão em nome da arrecadação e inverter o princípio de que um banco público existe para proteger o cidadão, não explorá-lo.
O impacto dessa decisão vai além da simbologia. Em todo o país, as casas lotéricas enfrentam dificuldades e risco de fechamento, justamente quando o governo decide priorizar plataformas digitais.
Em muitos municípios, a lotérica é a única referência bancária disponível: ali se pagam contas, se recebem benefícios, se resolvem pendências que exigem presença física. Ali acolhem-se idosos, aposentados e pessoas sem letramento, em um espaço onde a confiança e a atividade financeira ainda acontecem cara a cara.
Ao esvaziar essa rede e substituí-la por um aplicativo de apostas, a Caixa abandona os consumidores mais vulneráveis, aqueles que dependem do atendimento humano e da estrutura territorial do banco.
Enquanto isso, aposta no público conectado e no seu desejo de “ganhar fácil”. Mas o que a instituição apresenta como inovação tecnológica é, na verdade, um retrocesso ético. Ao oferecer o jogo sob seu próprio nome e marca, a Caixa legitima o azar como produto estatal, emprestando-lhe o selo de credibilidade que o mercado privado jamais teria.
O que era vício vira “entretenimento”, o que era risco financeiro vira “oportunidade”, ou até mesmo ”investimento”! Um banco público que incentiva o jogo é como um hospital que vende cigarro: contradiz sua própria razão de existir.
É inaceitável que a mesma plataforma que deveria estimular a poupança e o crédito responsável se transforme em isca para o endividamento e a ludopatia.
A Caixa Econômica Federal precisa decidir quem quer ser: um instrumento de cidadania e desenvolvimento, ou um operador de apostas digitais a serviço do lucro fácil. Não há conciliação possível entre esses dois papéis.
Como entender que a Caixa pretenda competir com instituições privadas de jogos de azar para aumentar receitas, deixando de ser um banco de fomento social, aliado da cidadania, para se converter em um operador digital de apostas guiado por metas de lucro e desconectado de sua base social?
O Idec defende uma regulamentação mais rigorosa e maior fiscalização dos jogos de azar, e não o apoio de um banco público para endividar ainda mais os consumidores. Em um país com tantas desigualdades e tão pouca confiança nas instituições, o dever de um banco público é reafirmar o valor do serviço social, não o do jogo. Apostar no azar pode render receita, mas apostar contra o próprio povo é perder a alma pública que sempre deu sentido à Caixa Econômica Federal.
