Experiência e Excelência em jornalismo contábil, tributário e de negócios

O recente anúncio de medidas tarifárias pela adm Trump agora recai sobre setores estratégicos como farmacêutico, móveis e caminhões pesados. No entanto, essas medidas já estavam dentro das expectativas para quem acompanha sua política comercial. Desde o início de seu mandato, Trump tem adotado uma postura protecionista, utilizando tarifas como instrumento de pressão econômica e política.

Mais uma vez, foi utilizada a Seção 232 da Lei de Expansão Comercial, já aplicada anteriormente para justificar tarifas sobre aço, alumínio, automóveis e outros produtos, sob o argumento de segurança nacional. No setor farmacêutico, Trump há tempos sinaliza sua insatisfação com a dependência de medicamentos estrangeiros e com os preços praticados por empresas europeias e asiáticas. A ideia de exigir produção local como condição para evitar tarifas já havia sido mencionada em discursos anteriores. Portanto, embora o anúncio oficial tenha causado impacto, ele não foi totalmente inesperado.

Da mesma forma, os setores de móveis e caminhões pesados já estavam sob análise pelo governo americano. Investigações sobre importações desses produtos estavam em curso, e o histórico de medidas semelhantes indicava que novas tarifas poderiam ser impostas a qualquer momento. O que surpreendeu foi a escala e a simultaneidade das medidas, por atingirem múltiplos setores e países, ampliando os riscos de retaliações e tensões diplomáticas em mais uma ação de política comercial protecionista dos Estados Unidos.

Na prática, a partir de 1º de outubro, produtos farmacêuticos de marca ou patenteados fabricados fora dos EUA estarão sujeitos a uma tarifa de 100%, exceto nos casos em que a empresa já tenha iniciado a construção de uma fábrica em território americano. Essa medida, no entendimento da adm Trump, visa “incentivar” a relocalização da produção e reduzir a dependência externa em áreas consideradas críticas para a segurança nacional.

Resta saber se, após a construção de fábricas farmacêuticas nos EUA, as empresas optarão por contratar pessoas ou investir em automação para atender à demanda de produção. Com o avanço da inteligência artificial e da robótica, a indústria farmacêutica está migrando para fábricas inteligentes, onde sensores, algoritmos e sistemas ciberfísicos otimizam a produção em tempo real. Isso reduz erros, aumenta a eficiência e permite maior personalização de medicamentos. No entanto, a taxa de empregabilidade tende a ser baixa, e o custo social pode ser relativamente alto.

O setor farmacêutico normalmente opera com produção altamente automatizada, com máquinas desempenhando a maior parte das tarefas críticas, especialmente nas etapas de formulação, embalagem, controle de qualidade e esterilização. Destaca-se o uso de equipamentos automatizados para garantir precisão na dosagem de ingredientes ativos e excipientes, bem como o uso de linhas robotizadas para o envase de comprimidos, líquidos e injetáveis com alta velocidade e controle sanitário. Além disso, sistemas automatizados realizam testes físico-químicos e microbiológicos no processo de controle de qualidade.

Essa automação reduz significativamente a demanda por profissionais humanos, que passam a ser requisitados principalmente em áreas específicas como pesquisa e desenvolvimento, geralmente composta por grupos de cientistas e engenheiros farmacêuticos encarregados de desenvolver novas moléculas e processos de fabricação, ou em atividades de supervisão e validação, onde farmacêuticos industriais e engenheiros de produção monitoram os processos. Também há demanda em áreas regulatórias e de compliance, onde especialistas garantem conformidade com normas como FDA ou EMA.

A Pharmaceutical Research and Manufacturers of America já criticou a medida, destacando que mais de 50% dos ingredientes usados em medicamentos consumidos nos EUA são produzidos no país, o que levanta dúvidas sobre a real necessidade da tarifa. A Câmara de Comércio dos EUA também se posicionou contra as tarifas sobre caminhões, lembrando que os principais países exportadores são aliados estratégicos dos Estados Unidos.

As medidas, além de gerar tensões diplomáticas, podem provocar novos desequilíbrios nas cadeias globais de suprimento, já pressionadas por custos elevados e incertezas regulatórias. A resposta internacional até o momento foi cautelosa. A Europa, que representa cerca de 60% das exportações farmacêuticas para os EUA, está entre os principais afetados. Reino Unido, Japão, China, Itália, Bélgica, Índia, Singapura, Alemanha, Suíça e Irlanda também figuram entre os maiores exportadores.

Para os setores de móveis e caminhões pesados, as tarifas estão sendo impostas com base na Seção 232 da Lei de Expansão Comercial, que permite ao presidente aplicar medidas sem aprovação do Congresso quando as importações são consideradas uma ameaça à segurança nacional. Essa base legal já foi utilizada anteriormente para taxar aço, alumínio, veículos e cobre, e agora está sendo estendida a uma gama ainda maior de produtos, incluindo turbinas eólicas, semicondutores, madeira, minerais críticos, equipamentos médicos e robótica.

No setor de móveis, o presidente anunciou tarifas de 50% sobre gabinetes de cozinha e banheiro, e de 30% sobre móveis estofados, justificando a decisão pela “inundação” desses produtos no mercado americano. Para o setor de caminhões pesados, a justificativa foi a proteção contra concorrência desleal, com o objetivo de beneficiar fabricantes nacionais como Peterbilt, Kenworth, Freightliner e Mack. O México, principal exportador desses veículos para os EUA, deve ser fortemente impactado, especialmente após o crescimento expressivo das exportações desde 2019.

O impacto sobre os preços e os consumidores tende a ser significativo. A tarifa de 100% sobre produtos farmacêuticos pode elevar substancialmente os custos desses itens para os americanos, sobretudo se as empresas estrangeiras optarem por não transferir sua produção para o território norte-americano. Da mesma forma, as tarifas sobre móveis e caminhões importados devem encarecer esses produtos, pressionando a inflação e reduzindo o poder de compra das famílias e das empresas.

Além disso, essas medidas podem provocar uma reconfiguração das cadeias produtivas. Multinacionais com operações nos Estados Unidos podem acelerar investimentos em fábricas locais para evitar as tarifas, o que pode gerar empregos e estimular a indústria doméstica. No entanto, no curto prazo, há o risco de desabastecimento e de gargalos logísticos, especialmente em setores como o farmacêutico e o automotivo, que dependem fortemente de insumos globais e de uma cadeia de suprimentos integrada.

Do ponto de vista jurídico e diplomático, o uso da Seção 232 da Lei de Expansão Comercial como justificativa para essas tarifas sob o argumento de segurança nacional pode gerar disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e tensões com países aliados. A Câmara de Comércio dos EUA já manifestou preocupação, destacando que nações como México, Canadá, Japão e Alemanha são parceiras estratégicas e não representam ameaça à segurança nacional. Essa percepção pode enfraquecer a legitimidade das medidas e comprometer a posição dos Estados Unidos em negociações multilaterais futuras.

As novas tarifas anunciadas pela Adm Trump têm implicações significativas para diversos países exportadores, com efeitos distintos conforme o perfil comercial de cada região.

A Europa, que responde por cerca de 60% das exportações farmacêuticas para o mercado americano, será fortemente impactada. Países como Irlanda, Suíça, Alemanha e Bélgica, que possuem indústrias farmacêuticas altamente desenvolvidas, podem ver seus produtos encarecidos e sua competitividade reduzida. Em resposta, empresas europeias podem optar por redirecionar investimentos para os EUA, buscando evitar as tarifas. No entanto, também existe a possibilidade de retaliações comerciais, o que poderia desencadear uma nova rodada de guerra tarifária entre aliados históricos.

O México, maior exportador de caminhões pesados para os Estados Unidos, enfrenta um desafio direto. As tarifas impostas podem comprometer a competitividade da indústria automotiva mexicana, afetando empregos e investimentos no setor. Desde 2019, as exportações mexicanas desses veículos triplicaram, o que torna o impacto ainda mais expressivo. A medida pode gerar tensões diplomáticas, especialmente considerando que o México é parceiro estratégico no acordo comercial USMCA.

Na Ásia, países como China, Japão e Índia também serão afetados pelas tarifas sobre medicamentos e móveis. A fragmentação das cadeias globais de suprimento, já pressionadas por questões logísticas e geopolíticas, pode se intensificar. Como resposta, esses países podem acelerar negociações bilaterais alternativas, buscando novos mercados ou acordos que mitiguem os efeitos das barreiras americanas.

Para o Brasil, os efeitos são mistos. Há oportunidades comerciais as empresas brasileiras que já possuem capacidade de produção nos Estados Unidos, ou que estejam dispostas a investir lá, podem se beneficiar das isenções tarifárias anunciadas por Trump.

Por outro lado, os desafios industriais não são desprezíveis, e no caso da indústria farmacêutica brasileira, ainda há grande dependência de insumos importados, o que pode comprometer sua competitividade diante da elevação dos preços globais. Além disso, o setor automotivo, que exporta caminhões e peças para os EUA, pode ser incluído em futuras medidas tarifárias, exigindo uma resposta estratégica por parte do governo e das empresas.

No campo das relações bilaterais, o Brasil tem a possibilidade de buscar acordos comerciais com os Estados Unidos, visando garantir tratamento preferencial, como o Reino Unido fez recentemente. Isso exigiria negociações diplomáticas complexas e alinhamento regulatório, além de uma política externa capaz de equilibrar pragmatismo comercial com posicionamento estratégico diante da crescente unilateralidade americana. Em um cenário global cada vez mais fragmentado, o Brasil precisará agir com inteligência e agilidade para transformar riscos em oportunidades.

Por Roberto Simioni — Economista Chefe da Blue3 Investimentos 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *