Sibele Aquino, Doutora em Psicologia Social pela PUC Rio, Professora na Mackenzie Rio, Pesquisadora em Psicologia Positiva

Todo fim de ano ativo o mesmo roteiro: retrospectivas estendidas, promessas grandiosas, discursos motivacionais embalados por Natal (e alguém escrevendo luzes sobre isso de novo). A sensação é de que uma simples troca de calendário transforma qualquer pessoa em alguém totalmente renovador, mas basta Janeiro chegar para percebermos que boa parte dessa diversão não se sustenta na vida real.
É aqui que precisamos separar duas coisas que muita gente mistura: esperança e otimismo. Para começar, é importante entender a diferença – sim! Há diferença. Otimismo é uma tendência de acreditar que as coisas vão dar certo, uma expectativa emocional positiva sobre o que está por vir. Já a esperança, ao contrário do que o senso comum poeticamente sugere, passa longe de esperar. Na ciência psicológica que estuda aspectos positivos da existência humana, a esperança funciona como um sistema de navegação mental que imagina caminhos possíveis e direcionados a nossa própria capacidade de percorrê-los. A esperança não prevê o futuro, ela o constrói. O otimismo apenas o imagina como bom.
Esse detalhe é importante porque, no final de todo ano, o que vemos nas redes e nas empresas não é esperança: é otimismo performativo. Mensagens de “vai ser incrível” voam por todos os lados sem qualquer apoio em planos, escolhas ou estratégias (e é difícil desviar disso). É o equivalente psicológico a desejar boa sorte sem saber nem qual jogo está sendo jogado.
O ambiente social reforça isso. As pessoas acompanham versões cuidadosamente editadas de seus anos, e o cérebro ativa comparações automáticas. A vida dos outros parece um filme premiado enquanto a nossa vira uma montagem sem trilha sonora. Para compensar essa sensação, muita gente adota um discurso grandioso, cheio de brilho, mas sem substância. Vamos combinar: é uma fantasia confortável, mas frágil… Expectativas infladas sem caminhos definidos aumentam frustração, não motivação.
Na vida profissional, as aparências são ainda mais evidentes. As empresas enviam mensagens de agradecimento ao mesmo tempo em que pressionaram equipes com demandas acumuladas. O tom é positivo, mas a experiência concreta é exaustiva. O funcionário percebe essa incoerência e sente que precisa parecer confiante mesmo estando esgotado. Isso não é esperança! É pressão emocional disfarçada.
A esperança nasce de outra lógica.
Ela não pede que você acredite que tudo ficará bem, mas que se identifique o que você pode fazer, como pode fazer, e por que vale a pena tentar. É ação antes de estética. É caminho antes do brilho. É menos “2026-será-incrível” e mais “há-duas-mudanças-possíveis-que-cabem-na-minha-vida-agora”.
Exemplos cotidianos mostram isso com clareza: alguém promete “ser saudável” no próximo ano, mas não define nem o horário em que pretende caminhar. Outro diz que quer “ler mais”, mas mantém a rotina que o impede de ler. Essas metas pertencem ao reino do otimismo irrealista (o mesmo que faz com que os hipertensos continuem com sobrepeso e mantendo a fritura no cardápio: uma lente positiva super embaçada). A esperança exige construção de rotas concretas. É o detalhe operacional que transforma o desejo em possibilidade.
Também inclui lidar com o cansaço sem culpa. A cultura de alta performance tenta transformar a esperança em produtividade obrigatória, como se alguém estivesse cansado “pensando errado”. É o avesso do conceito. A esperança só funciona quando regular limites.
Um limite que o calendário estabelece, mas que nossas decisões não acompanham com facilidade. A virada do ano não muda ninguém por si só, mas ela oferece um enquadramento novo possível. O que preenche esse enquadramento não é expectativa, mas escolha deliberada e consciente.
Se existe uma mensagem útil para este dezembro, talvez seja esta: Não anuncie revoluções. Escolha um próximo passo. A esperança começa onde está também um otimismo realista e saudável: no pedaço da vida em que você pode agir.
