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O recente desligamento de cerca de mil funcionários do Itaú, após a monitorização da produtividade em home office, reacendeu um debate importante sobre o controle do desempenho no trabalho remoto. A situação levanta questões sobre até onde as empresas podem ir sem ferir direitos fundamentais dos trabalhadores, envolvendo aspectos legais, éticos e de compliance trabalhista.

Para entender melhor esses limites e discutir boas práticas que garantam um equilíbrio entre eficiência empresarial e respeito à dignidade do trabalhador, o advogado Felipe Miranda, especialista em Direito e Processo do Trabalho, traz insights valiosos sobre como as organizações podem se posicionar de forma responsável nesse novo cenário.

De forma objetiva: a CLT e a jurisprudência brasileira permitem que um banco demita funcionários com base em relatórios de produtividade no home office?
Sim. A demissão sem justa causa é um direito do empregador, desde que cumpridas as obrigações legais, como aviso prévio e verbas rescisórias. O ponto de debate não é a legalidade em si, mas os critérios usados: se são éticos, transparentes e respeitam a dignidade do trabalhador. A CLT impõe que o contrato de trabalho seja regido pela boa-fé. Portanto, mesmo quando a dispensa é legal, a forma como ela é conduzida pode ser questionada, especialmente diante de sinais de arbitrariedade ou discriminação.

Quais são os limites legais do monitoramento remoto da atividade do empregado? Até onde a empresa pode ir sem ferir a privacidade ou a dignidade do trabalhador?
O monitoramento é permitido, mas deve ser proporcional e transparente. A empresa precisa deixar claro quais métricas são utilizadas, por que são relevantes e como os dados serão tratados. Acompanhamento permanente via câmera ou acesso a conversas privadas, por exemplo, configuram abuso e violam a dignidade do trabalhador. A transparência é fundamental para evitar conflitos e alegações de assédio.

No caso de um trabalhador demitido por baixa produtividade, que tipos de recursos ou contestações ele pode apresentar na Justiça do Trabalho?
Depende da modalidade da dispensa. Se for por justa causa, o empregado pode questionar a comprovação da baixa produtividade, alegando critérios subjetivos, ausência de advertências, treinamentos ou acompanhamento adequado. Nesse caso, cabe ao empregador demonstrar, de forma clara, que o desempenho insuficiente comprometeu o contrato.
Já se a dispensa for sem justa causa, embora o empregador tenha liberdade para desligar, o trabalhador pode alegar que os critérios utilizados foram discriminatórios, arbitrários ou abusivos. O Judiciário costuma avaliar se a empresa ofereceu condições adequadas para a melhoria do desempenho antes do desligamento e se respeitou princípios como a boa-fé e a dignidade da pessoa humana.

É possível que esse tipo de demissão venha a ser caracterizada como abusiva ou discriminatória?
Sim. Se ficar comprovado que critérios de produtividade impactaram desigualmente determinados grupos (como mulheres que acumulam funções domésticas ou pessoas com deficiência), a dispensa pode ser vista como discriminatória. Da mesma forma, métricas desproporcionais ou inviáveis podem ser interpretadas como abuso.

Do ponto de vista das empresas, que cuidados devem ser tomados antes de adotar métricas de desempenho no home office?
É essencial que os indicadores façam sentido para cada função. Além disso, é recomendável ouvir os trabalhadores e, quando possível, negociar coletivamente. Mais do que medir números, as empresas devem preservar um ambiente saudável. Monitorar produtividade não pode significar instalar uma cultura de medo.

É recomendável que critérios de produtividade sejam negociados coletivamente com sindicatos ou definidos em contrato individual?
Sempre que possível, a negociação coletiva deve ser priorizada, pois traz legitimidade e equilíbrio. Para funções específicas, ajustes individuais podem ser feitos, mas a transparência é indispensável. O trabalhador precisa ter clareza sobre como será avaliado.

O senhor acredita que esse episódio do Itaú pode abrir precedente para outras grandes companhias seguirem o mesmo caminho?
Sem dúvida. Grandes decisões de mercado acabam servindo de parâmetro para outras empresas. Por isso, é urgente estabelecer balizas éticas e jurídicas para que não se normalize uma gestão voltada apenas para números, esquecendo-se do fator humano.

De que forma decisões como essa podem impactar a relação de confiança entre empregadores e empregados no regime de teletrabalho?
O teletrabalho depende de confiança. Quando o monitoramento é usado como punição, a relação se desgasta e gera insegurança. A empresa até pode ter ganhos imediatos, mas perde engajamento, lealdade e reputação no médio e longo prazo.

Que boas práticas o senhor destacaria para que empresas equilibrem eficiência, produtividade e respeito aos direitos trabalhistas no home office?
Definir objetivos claros e mensuráveis, oferecer feedback contínuo e investir em treinamento e bem-estar. Ambientes éticos e respeitosos são aliados da produtividade sustentável.

Em sua experiência, quais políticas de compliance trabalhista têm funcionado melhor para evitar litígios nessa nova realidade de trabalho remoto?
As políticas mais eficazes combinam códigos de conduta claros, canais de denúncia ativos e programas de ética corporativa que envolvem toda a hierarquia. O compliance precisa ser prático e vivido no dia a dia, não mera formalidade. Só assim ele protege a empresa de litígios e dá segurança jurídica.

E quanto à responsabilidade do empregado no home office? Há casos de funcionários que abusam da liberdade e não entregam o que foi acordado. Como equilibrar isso?
A responsabilidade é de ambos os lados. O home office não é uma licença para descumprir obrigações. O contrato de trabalho prevê entregas e metas. Quando há abuso, colegas e empresa são prejudicados, e a Justiça não protege má-fé. O que defendemos é equilíbrio: empresas que sejam claras e justas e empregados que cumpram suas funções. Só assim o home office se torna produtivo de verdade.


 


Crédito: Divulgação Souza Dantas

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